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A aldeia que há em nós

A aldeia que há em nós

Quem sai da Igreja não é indiferente ao cheiro do pão acabadinho de cozer. Andamos pela calçada a seguir-lhe o aroma. Cruzam-se ruas, fazem-se de esquinas cafés e, ao fundo, o coreto. O chiar dos travões nos caminhos de ferro do elétrico não deixa dúvidas: chegou o 13. Uma viagem pelos pátios de Carnide gravados a tons de cinza pela máquina, a cores pela memória.

A primeira manhã em que Novembro acorda frio. Sai-se de casa com o casaco ainda meio vestido, mas também… O que interessa isso se já se deve uns críticos dez minutos ao dia que não espera? De passagem, na urgência que é garantir que não falta nada em casa, esquece-se a rua. As ruas, as gentes. Caminhos trilhados que outrora o foram por outras gerações. Pedras da calçada por onde se passaram estórias, histórias e História. Das que se vivem, das que se contam, da qual resultamos. Pátios onde houve quem corresse, quem saltasse, quem caísse e quem se arranhasse. Pátios, muitos deles, onde, hoje, o simples olhar é ilegítimo. Porque os tempos a isso o obrigam: o pião que rodava no asfalto deu lugar ao telemóvel, a liberdade das tardes na rua a brincar vestiu-se da segurança que é ter o que se precisa sem sair de casa, os pátios onde se brincava vivem sós, sabe-se lá como. Sobrevivem as memórias das gentes que neles imortalizaram a mocidade.

 

Pátio da Chouriça

No Largo do Jogo da Bola, ao lado da antiga esquadra da polícia, um dos pátios mais centrais de Carnide. Tomou o nome de uma vendedora que nele vivia. A “chouriça” vendia várias coisas. Entre tremoços, chocolates, pinhões e chupa-chupas, os dois últimos saltavam com maior facilidade aos olhos de Palmira Pinto. Em Carnide há 72 anos, relembra o pátio da chouriça como um daqueles onde brincava regularmente com os colegas da escola, já que todos viviam ali ao pé. “Era uma brincadeira pegada quando a dona não estava por lá. Havia galinhas à solta, gaiolas com coelhos…”, relembra.

O pátio, circundado por casas grandes onde moravam várias famílias, e o Largo ali ao lado criaram, durante anos, as condições perfeitas para o recreio dos mais novos.

 

Pátio da Celeste Gaveto

De frente para o novo Largo Padre Filipe Carreira Rosário, junto à entrada do Centro Social e Paroquial de Carnide, o pátio tinha também um nome alternativo. Por partes: Pátio da Celeste Gaveto ou Pátio da Amália. Ambos tomados pelos nomes de quem nele vivia. Envolto num considerável quintal, era dos pátios mais tranquilos para deleite dos mais novos. “Lembro-me de só dizermos que íamos para o pátio da Dona Celeste Gaveto quando ela não nos ouvia. Não gostava que a tratássemos por “dona”. A tia dela é que detinha aquele espaço e o respeito que sentia por ela não lhe permitia a ser chamada de “dona”, recorda Palmira com saudade. Uma marca dos tempos em que outrora era abjeção tomar por seu o que não era, mesmo que daí não resultasse qualquer desfecho.

 

Pátio da Tinoca

Junto à mercearia do senhor Teixeira, também este pátio tomou o nome a uma das vendedoras que nele viviam. De todas, Tinoca era a que vendia mais barato. Era ponto de paragem obrigatório para quem procurava fruta e hortaliças frescas vindas diretamente de quintas. Além de que, a certa altura do ano, as árvores que cresciam no pátio também serviam quem nele comprava fruta. Palmira lembra as “alturas em que subíamos às árvores e escolhíamos o que queríamos para encher os cestos de verga”. Tudo por 25 tostões.

 

Pátio da Escola Primária

Onde hoje é a Junta de Freguesia, a Escola Primária tinha a envolvê-la, um pátio que se dividia em dois. Nas traseiras do edifício, brincavam as meninas. Na frente, os meninos que, dia sim, dia não, se empoleiravam no portão que separava o pátio das traseiras do Largo das Pimenteiras, para verem as amigas brincar. Uma distância marcada em todos os recreios, mas que se esvaía quando, às 17 horas, o portão abria para irem todos para casa, ou para outro pátio prolongar a brincadeira.

 

Pátio do Menino Jesus

Perto da Quinta dos Azulejos, o Pátio do Menino Jesus conheceu mais mulheres que homens. Junto dele, havia um colégio só para raparigas que, anos mais tarde, deu lugar a um dispensário, onde doentes mais vulneráveis economicamente podiam aceder a cuidados de saúde e medicamentos.

 

Pátio do Sapateiro

O último dos pátios por onde esta viagem passa. Chamavam-lhe também “Pátio do Vargas”. Uma casa senhorial com um enorme portão de madeira que só se abria para deixar passar carroças. Lá dentro, havia cavalos, um pátio e até um campo de futebol. Um espaço privilegiado na Quinta do Passal onde os mais novos chegaram a brincar.

 

Histórias de outros tempos, talhadas de pormenores que só a memória de quem neles viveu sabe contar. Quantas as tardes de brincadeira em que, por entre os caminhos do elétrico, as esquinas feitas cafés e as ruas que se cruzam, se levantava o pó das ruas por alcatroar, onde o as pedras da calçada eram palco para os piões e de onde nunca se levou o cheiro do pão acabadinho de cozer.

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