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História

Identificação e Perfil Histórico

Localizada no extremo norte do concelho de Lisboa, Carnide é uma das maiores freguesias da cidade, em extensão e em população. Apesar de ser uma das mais antigas, só foi integrada no perímetro urbano em 1885.

Tradicionalmente rural, foi envolvida, nos últimos anos, no próprio processo de crescimento urbano da capital, de uma forma acelerada e nem sempre uniforme e correctamente programada. É, por isso, uma freguesia de contrastes – entre o velho e o novo, o antigo e o moderno, o urbano e o rural. É também um território marcado por diversidades e singularidades, com pequenas «ilhas» dispersas e desarticuladas funcional e urbanisticamente.

Verifica-se uma dinâmica ligada ao próprio crescimento populacional (é população essencialmente jovem) que se apresenta como sinal de vitalidade. As grandes questões colocam-se, hoje, nos domínios do planeamento, da habitação e da salvaguarda e valorização dos núcleos históricos, de modo a dar sentido coerente e qualificado a um espaço historicamente disperso, mas orgânico, e hoje cada vez mais retalhado e desarticulado. A dispersão é, desde logo, visível nos próprios limites administrativos da freguesia, estabelecidos na sua forma actual em 1959, antes da intensificação do seu crescimento populacional, sobretudo a partir da década de setenta. Assim, a freguesia ainda se encontra, hoje, com uma configuração administrativa, eventualmente adequada a épocas remotas, mas pouco significativa em relação ao crescimento dos últimos anos. Confinada a norte e noroeste pelos limites tradicionais do próprio concelho e a sul pela Av. General Norton de Matos (Segunda Circular), os limites orientais e ocidentais que a separam das freguesias vizinhas do Lumiar e de S. Domingos de Benfica são um tanto arbitrárias.

Marcada por sucessivas sedimentações históricas e culturais, a freguesia de Carnide tem um perfil próprio identificado no seu património e nas vivências sociais que interessa preservar e valorizar, na medida em que eles podem estruturar e referenciar a própria dimensão da imagem urbana e da vida contemporânea.

O sítio de Carnide e a organização da freguesia

O povoamento de toda a vasta zona a norte do termo de Lisboa até Odivelas data de épocas recuadas, anteriores à romanização. Para além de vestígios de uma ocupação dispersa durante o neolítico, formaram-se alguns povoados de pequena dimensão, e que rapidamente foram absorvidos pela cultura e economia romanas.

Foi a partir do séc. I que se organizou sistematicamente o território, com explorações agrícolas sob a forma de vilas rústicas. Algumas eram grandes propriedades com casa senhorial e todo um conjunto de equipamento agrícolas necessários, desde os estábulos aos lagares.

Durante o domínio muçulmano, entre os séculos VIII e XII, intensificou-se a ocupação com a consolidação de pequenos casais e o desenvolvimento das hortas e pomares. A região era considerada o celeiro de Lisboa e daqui seguiam os produtos agrícolas que regularmente abasteciam a cidade. À data da conquista de Lisboa, era já significativo o número de moradores locais aos quais se juntaram muitos mouros que foram expulsos da cidade ou a abandonaram por vontade própria. Cristãos e muçulmanos acabaram por se fundir em pouco tempo, eliminando diferenças religiosas e culturais.

No século XIII procedeu-se à organização religiosa e administrativa, com a formação de uma vasta paróquia rural, por volta de 1279. Foi também nesta época que se fixou, definitivamente, a identificação toponímica. O nome de Carnide é, certamente, mais antigo (celta, latino, ou muçulmano), mas passou a generalizar-se apenas durante a idade média, ligado à unidade paroquial. Num documento de partilhas datado de 1308, e em muitas doações medievais, a figura a expressão «sítio de Carnide» e o topónimo «Carnedi» ou «Carnyde» aplicados à área da paróquia que englobava também a Pontinha e o Casal Falcão e se estendia até aos limites de Odivelas. O século XIV corresponde ao período de consolidação e expansão dos velhos aglomerados populacionais e à construção da Igreja de São Lourenço, a partir de 1342, em local ermo, aproximadamente no centro geográfico de um vasto território, de modo a permitir a afluência dos paroquianos. Ao mesmo tempo, os caminhos rurais e vicinais, já definidos desde a Alta Idade Média, consolidaram-se. Pode dizer-se que a localização da igreja paroquial, que depois de outras invocações acabou por se estabelecer com a Igreja de São Lourenço, se localizou em função desta primitiva estrutura viária e da facilidade de acessos directos. A estrada da Pontinha era o principal eixo, a par da estrada da Correia que se veio a consolidar posteriormente. Foi no adro da igreja que se realizou durante muitos anos a feira. Para além dos pequenos proprietários e rendeiros locais, eram donatários de muitas propriedades de Carnide os reis e a Ordem de Cister.

Documentos dos séculos XIII e XIV referem a existência de uma Ermida do Espírito Santo que tinha anexa uma pequena gafaria. O culto do espírito santo, difundido durante o século XIII, perdurou na região, até ser completamente absorvido pelo novo culto da Senhora da Luz, no século XVI, depois da reorganização da Igreja no âmbito do Concílio de Trento. É, pois, remota a origem de fenómenos de romarias e peregrinações que atraíam ao local população dispersa pela paróquia e muitos forasteiros vindos de longe. Os marítimos (pescadores e navegadores) eram devotos do Espírito Santo e, em 1437, deram início à procissão anual do Sírio do Cabo à pequena ermida local.

Datam do século XIII as notícias referentes a uma fonte, cujas águas tinham propriedades curativas. Era conhecida por Fonte Machada ou Machado, designação de origem antroponímica relacionada com os proprietários. A fonte localizava-se junto da principal estrada de atravessamento e, tal como a ermida, era um local de referência obrigatória. A própria gafaria estava relacionada com a fonte de mergulho e muitas das curas e tratamentos eram feitos com as próprias águas, consideradas benéficas para certas doenças da vista.

Para além dos tradicionais casais dispersos, o primeiro povoamento sistemático fez-se ao longo da estrada da Pontinha, entre a Fonte do Machado e a Igreja de São Lourenço. Havia também quintas reais e nobres, para onde se deslocavam os proprietários quando as grandes epidemias e fomes atingiam a capital. Os bons, fortes e saudáveis ares eram famosos e muitos fidalgos vieram para Carnide, a fim de recuperar das campanhas militares de conquista do Norte de África no reinado de D. Afonso V. O próprio rei, que em 1442 fez doações de terras no sitio de Carnide, aqui terá residido temporariamente, assim como D João II que enviou uma carta ao barão de Alvito datada de 24 de Março de 1462 e assinada em Carnide.

Em 1463, deu-se o início ao culto da nossa senhora da Luz e, no ano seguinte, começou a realizar-se a romaria no final do verão, em Setembro, no termo das colheitas agrícolas.

A ermida ficou a pertencer ao mosteiro cisterciense de Ceiça, até que, em 1467, passou a depender directamente da paróquia de São Lourenço, com todas as suas rendas. A irmandade que se constituiu para organizar a romaria anual e cuidar da ermida angariou muitas doações de terras, rendas e géneros. Alguns reis e nobres foram membros da irmandade, contribuindo para o seu enriquecimento e prestígio.

No século XVI, fizeram-se obras de melhoramento da ermida e da fonte. Datam da época os elementos manuelinos que se encontram ainda hoje encravados no corpo sul da Igreja Luz.

Feira da Luz

Ligada à tradicional romaria que se realizava anualmente, em Setembro, no Santuário da Nossa Senhora da Luz, a feira era complemento das festividades religiosas que duravam vários dias, atraindo numerosos forasteiros da capital e arredores. Embora se possa considerar tão antiga como o próprio culto e remonte, certamente, à Idade Média, foi durante os séculos XVI e XVII que começou a adquirir maior projecção.

A romaria da Luz era muito concorrida e chegou a ter participação do Sírio da Senhora do Cabo que já vinha regularmente à pequena ermida do Espírito Santo desde 1437. O culto do Espírito Santo era anterior e foi absorvido pela nova devoção.

Os marítimos, eram devotos da nossa senhora da Luz e, por isso, compareciam sempre várias confrarias com os seus estandartes. Mas, numa área essencialmente rural, os principais devotos eram os trabalhadores rurais de toda a zona norte do termo de Lisboa e até os saloios de Mafra e Sintra. Por isso, as festividades religiosas e a feira que se lhe seguia passaram a realizar-se em Setembro, no final das colheitas de verão.

Todos os membros da nobreza em veraneio nas quintas do Lumiar, Benfica, Carnide e muitos vindos propositadamente da capital, bem como membros da casa real participavam ou faziam-se representar. Os reis D. João III e D, João VI e as rainhas D. Catarina e D. Carlota Joaquina, suas mulheres, eram devotos e romeiros fervorosos. No cortejo, a imagem de Nossa Senhora era levada numa berlinda real e acompanhada por dois coches onde seguiam os reis. Esta ligação à corte era antiga, pois já o rei D. Afonso V tinha feito parte da confraria da Luz que cuidava da imagem e do santuário e organizava as festividades. O numeroso cortejo percorria as ruas de Carnide e voltava ao santuário.

No início, a feira surgiu integrada nas festividades religiosas, com barracas de comes e bebes, vendedores de medalhas, registos de santos, rosários e objectos religiosos. Pouco a pouco, foi-se ampliando e surgiram os louceiros, vendedores de fruta, cesteiros e, por último, os negociantes de gado. Chegou a realizar-se uma feira de gado, quinzenalmente, no segundo domingo de cada mês, mas a feira anual era o grande atractivo para os negociantes de cavalos e de gado vacum. Em 1881, por regulamento camarário (Câmara de Belém), a feira passou de três para cinco dias com o mercado de gado de 8 a 11 de Setembro e os restantes produtos nos seguintes.

As barracas agrupavam-se no largo da Luz e havia manifestações populares como corridas de bicicletas, jogos e competições desportivas, fantoches e teatro de rua. Os petiscos eram famosos, nomeadamente as farturas. Numerosas famílias aristocratas faziam grandes piqueniques nas quintas e os forasteiros «arranchavam» nos campos, ao longo das estradas da Pontinha e da Correia. Figuras famosas da boémia lisboeta frequentavam a feira da Luz em Carnide, especialmente o conde Vimioso que, segundo a tradição, se fazia acompanhar pela Severa.

Os aristocratas deslocavam-se em carruagens próprias e os populares iam de burro ou a pé. Quando se inaugurou o elevador de S. Sebastião da Pedreira em 1899, o percurso mais encurtado, através da estrada da Luz, por Sete Rios. Em 1929, com o estabelecimento da linha de eléctricos que ligava os Restauradores a Carnide, o acesso ficou mais fácil e foi estabelecido um novo calendário, prolongando-se a feira desde o primeiro sábado até ao último domingo de Setembro.

Achados arqueologicos em Carnide

Trabalhos arqueológicos no Largo do Coreto

Os trabalhos de arqueologia no Largo do Coreto de Carnide, desenvolvem-se desde 5 de Março de 2012, decorrentes das obras de requalificação paisagística do Largo do Coreto e ruas adjacentes (nomeadamente a Rua Neves Costa, a Rua do Machado e as Travessas do Machado e do Largo do Jogo da Bola), sob a direcção dos arqueólogos do Serviço de Arqueologia do Museu da Cidade, da Direcção Municipal de Cultura da CML, Ana Caessa e Nuno Mota.

Estes trabalhos estão condicionados pela obra (uma vez que a equipa de arqueologia só actua nos locais afectados pelas operações de requalificação do Largo), mas também, por sua vez, condicionam o ritmo da obra. Tem que haver grande articulação e organização, para que as equipas de arqueologia, de construção e de paisagismo possam trabalhar em conjunto e em contínuo.

O Plano Director Municipal de Lisboa, actualmente em vigor (de 1994) coloca todo o núcleo histórico de Carnide em área de sensibilidade arqueológica de nível 2, o que significa que qualquer remeximento no subsolo dessa área tem ser acompanhado por uma equipa de arqueologia que garanta, em caso de aparecimento de vestígios arqueológicos, a sua salvaguarda. O território nacional, no seu conjunto, está abrangido pela lei de protecção e valorização do património cultural (Lei 107/01 de 8 de Setembro) que obriga todas as entidades à notificação, no prazo de 48 horas, de qualquer achado arqueológico, ainda que fortuitamente (artigo 78º). Mas os instrumentos de gestão territorial, como os Planos Directores Municipais, ou os Planos de Pormenor, são mais específicos e para assegurar o cumprimento dessa lei estabelecem normas nos seus regulamentos.

Carnide Antigo

No núcleo antigo de Carnide, os achados arqueológicos são muito expectáveis. A partir de fontes arquivísticas e bibliográficas, sabe-se que o topónimo Carnide já era utilizado nos finais do século XII, correspondendo, nessa altura, a uma área de herdades agrícolas, propriedade de particulares abastados e de casas religiosas de Lisboa. Uma verdadeira aldeia só terá surgido em meados do século XIII e há referências que indicam que, nos inícios do século XIV, a povoação de Carnide já tinha uma igreja dedicada a São Lourenço com o seu cemitério, uma fonte, “covas”, um “rocio” e, especificamente no lugar conhecido por “Alto do Poço” (actual Largo do Coreto), uma Ermida dedicada ao Espírito Santo, outro cemitério, uma leprosaria (que viria a ser desactivada em meados no século XVI com a construção de um hospital na Luz) e (claro) um poço. Para o século XV há notícias de que Carnide se transformara em local de descanso da família real e de outros elementos da Corte (o que indicia a existência de casas nobres). A partir do século XVI e até, pelo menos, ao terramoto de 1755 (que provocou muitas destruições na zona), foram-se instalando, ao redor da aldeia de Carnide, os conventos e as casas senhoriais, com as suas ermidas e as suas quintas. No século XIX, entre 1844 e 1885, Carnide pertenceu a uma efémera Câmara Municipal de Belém que promoveu, entre outras iniciativas a transformação do “Alto do Poço” num largo, o actual Largo do Coreto.

Foi este tipo de informações, juntamente com alguns edifícios e sítios classificados ou inventariados na Carta Municipal de Património, que justificou a inclusão do núcleo histórico de Carnide em área de sensibilidade arqueológica. E desde que esses regulamentos que complementam a lei de protecção e valorização do património cultural estão em vigor (o que é muito importante porque muitas vezes os vestígios passam despercebidos às pessoas não especializadas), muitas obras em Carnide têm tido acompanhamento arqueológico, o que tem permitido descobertas (algumas das quais foram até musealizadas, como os silos no Largo do Jogo da Bola) e conhecer melhor a história do sítio.

Achados arqueológicos

Os trabalhos arqueológicos que decorrem no Largo do Coreto de Carnide, desde os inícios de Março de 2012, no âmbito do Projecto de Requalificação do Largo do Coreto e Ruas Adjacentes, já permitiram recuperar muitos elementos da história dessa zona. Até ao momento já foram detectados:

  • 120 silos (semelhantes aos que estão musealizados no Largo do Jogo da Bola), ou seja estruturas escavadas no subsolo para armazenamento de cereais (aquilo que as fontes arquivísticas designam “covas”), talvez abertos em época medieval, mas transformados em lixeira subterrânea durante os século XVI, XVII e primeira metade do XVIII e portanto cheios de materiais interessantes;
  • Um poço em pedra (perto do local do coreto) aparentemente construído em época medieval com cerca de 12 metros de profundidade (estimada), cheio de água (em ano de seca!), talvez aquele que justificava o topónimo “Alto do Poço”;
  • Um troço de alicerce junto do qual se encontraram dez enterramentos, na parte oeste do Largo, portanto, em princípio, o que restou da demolição da Ermida do Espírito Santo e da desactivação do seu cemitério, por iniciativa da Câmara Municipal de Belém;
  • A terraplanagem promovida pela Câmara Municipal de Belém, entre 1857 e 1858, que transformou o “Alto do Poço” num Largo, que levou à ocultação do poço, à demolição da ermida e ao desaparecimento do cemitério, está muito bem marcada arqueologicamente pelo facto de, até agora, nenhum dos silos ter sido encontrado na sua forma completa, com boca e tampa, mas antes cortado artificialmente à cota pretendida para o piso do Largo;

No fundo todos estes vestígios eram expectáveis no sítio, o que não se previa era a quantidade enorme de silos, que demonstra que Carnide foi um local importante para a produção e armazenamento de cereais.

As cronologias que podemos referir são aproximadas e baseiam-se sobretudo numa análise superficial do espólio recuperado no interior dos silos, sobretudo nas peças cerâmicas (comuns, em faiança e em porcelana chinesa), de mesa e de cozinha, fragmentadas, ou mesmo, intactas e em moedas de baixo valor (nem sempre em estado de conservação que permita identificá-las facilmente). Estes materiais apontam para um período que vai do século XV ao século XVII.

Terá sido este o período em que os silos deixaram de ser local de armazenamento de cereais para funcionarem como lixeira e por isso o seu conteúdo, que inclui para além das peças cerâmicas, fragmentos de peças em vidro (alguns importados provavelmente de Murano, em Veneza), alguns objectos de uso comum em metal muito deteriorados e muitos restos de alimentação (como os ossos de animais, as espinhas de peixe e as conchas por exemplo) e de lareira (como as cinzas e os carvões), para além de fornecer cronologias, representa aspectos da vida quotidiana da população de Carnide desses séculos, chegando mesmo a reflectir diferenciações sociais (apenas os mais privilegiados, aqueles que se foram instalando em palacetes e quintas a partir do século XVI, possuiriam porcelanas chinesas, ou vidros italianos, por exemplo).

De qualquer modo, há muito trabalho de gabinete e de laboratório a fazer (meses de trabalho que começarão a contar quando os trabalhos de campo terminarem). Só depois se poderá avançar com mais informações.

Destino dos Vestígios Arqueológicos

O destino de todos estes vestígios é uma questão muito pertinente que tem sido colocada frequentemente pelos transeuntes e por vários e bons motivos: os vestígios são muitos e o seu registo tem sido feito à vista dos próprios moradores que são também quem mais tem sofrido os incómodos provocados pelas obras e, ao mesmo tempo, aqueles que mais expectativas têm relativamente à requalificação do Largo como espaço de lazer e descanso, arborizado e sem carros. Mais uma vez é precisa a conciliação e a articulação para que todos os valores arqueológicos sejam salvaguardados, sem que isso provoque constrangimentos na utilização futura do espaço.

A salvaguarda dos vestígios pode ser assegurada de diferentes modos, mas um está sempre presente – o registo científico, que é o que a equipa de arqueologia está a fazer. O registo científico das realidades arqueológicas tem sido feito, o espólio tem sido guardado (para posteriormente ser estudado e depositado nas reservas museológicas municipais), e quando a obra terminar o Largo do Coreto será o espaço de lazer que se pretendia. Muitas das realidades detectadas estarão cobertas, outras terão desaparecido com o avançar da obra. A grande diferença será que se terá conhecimento exacto da sua localização e das suas características e a memória da sua existência permanecerá.

Até ao momento, apenas num caso a arqueologia provocou uma ligeira alteração ao projecto: a descoberta do poço, em tão bom estado de conservação e cheio de água num ano de seca. Se o projecto não fosse alterado, grande parte do poço teria que ser destruído porque estava na rota de uma vala de saneamento para águas pluviais. A equipa de arqueologia, com a concordância da tutela do património cultural, nomeadamente o Direcção Geral do Património Cultural, propôs a preservação do poço e o desvio da vala. Essa proposta foi muito bem aceite: a vala foi desviada e o poço será preservado. Na Direcção Municipal de Ambiente Urbano da CML ponderam-se agora todas as variáveis que decidirão se o poço ficará visível e utilizável, ou se por enquanto apenas ficará preservado, mas ainda oculto, esperando outro projecto futuro.

E como é tão importante dar a conhecer aos moradores os resultados da intervenção arqueológica (para que percebam o que se passou, para que o abrandamento do ritmo da obra não seja encarado como uma perda mas como um ganho, para que conheçam as provas materiais da história do sítio onde vivem), a equipa de arqueologia espera vir a ter a oportunidade de (depois de realizados os relatórios e estudado o espólio) promover, em colaboração da Junta de Freguesia uma exposição em Carnide, sobre o assunto, com fotos, desenhos, objectos e painéis explicativos e mais tarde um colóquio de história local que resulte numa publicação.

Património

Para além do conjunto Carnide-Luz, o património edificado encontra-se disperso pelo que resta das antigas quintas, ao longo de azinhagas e caminhos. Muitos destes edifícios, com o seu recheio artístico e os equipamentos agrícolas, já desapareceram ou encontram-se ameaçados pelo processo de urbanização recente. As tradicionais ambiências têm-se perdido, porque a envolvente tem sido sistematicamente alterada. Em muitos casos, só a toponímia antiga prevalece, perpetuando e evocando memórias históricas.

A malha urbana – mas também a rural – da freguesia de Carnide é bastante dispersa, com diversos aglomerados de distinta qualidade de edificação e de diferenciada concentração habitacional, mas relativamente distanciados entre si.

O modo e a época de formação originaram modelos diferenciados. Na contemporaneidade, o centro agregador e referenciador continua associado aos dois núcleos históricos mais sedimentados que, apesar de apresentarem configurações especiais relativamente diferenciadas, são componentes de um mesmo conjunto histórico – Carnide-Luz.

O conjunto de Carnide-Luz

O núcleo de Carnide constitui um caso exemplar de estrutura espacial ordenada em função da antiga Rua Direita (actual Rua Neves Costa) que se fez coincidir com a Estrada da Pontinha. Mas, curiosamente, a Rua Direita não é, aqui, o eixo geometricamente central, embora seja o espaço de circulação e de relação com o exterior. O conjunto construído desenvolve-se a norte desta rua (que também foi, desde sempre, uma estrada inter-concelhia) com base num traçado ordenado e regularizado de ruas paralelas cortadas por pequenas travessas, numa ortogonalidade empírica, mas quase perfeita. Assim se consegue a privacidade e o isolamento do núcleo habitacional. Este modelo é comum em muitos dos aglomerados portugueses construídos nos séculos XVI e XVII.

Ao longo das ruas principais (Rua do Norte, Rua da Mestra, Rua das Parreiras, Rua do Pregoeiro) erguem-se habitações simples. As fachadas, de um ou dois pisos, alinhadas sequencialmente, foram uma unidade urbanística e visual, apesar da diversidade da composição e dos elementos decorativos, onde surgem, muitas vezes, pequenos registos de azulejos sobre as portas e janelas com figuras de santos ou simples padrões decorativos. A escala do conjunto mantém-se hoje inalterável e só a envolvente tem vindo a mudar.

No alto do Poço, aproveitando a própria configuração topográfica, a Rua Direita alarga-se para dar lugar a um espaço irregular alongado, espécie de terreno marginal ou lateral, onde inicialmente se realizou um pequeno mercado de produtos hortícolas, e mais tarde, se construiu o coreto, dando-lhe uma fisionomia mais urbana. É este o espaço público mais importante do núcleo histórico e tradicional de Carnide. No princípio deste século, aqui se construiu o edifício do Carnide Clube (1920), o referido coreto e alguns edifícios com fachadas mais eruditas. Mas, de um geral, existe um ambiente intimista em Carnide. É no interior das habitações, nas fachadas posteriores e nos respectivos jardins ou mesmo nas simples hortas ou quintais que se revela o requinte da decoração e da ornamentação que as severas fachadas e altos muros nos escondem.

A sul da velha Rua Direita, encaixado entre a Estrada da Pontinha e a Estrada da Correia, formou-se um pequeno núcleo também ordenado em função de uma rua interior (Rua do Machado). O aglomerado de maior dimensão e mais ruas, a norte da via principal, e o pequeno núcleo, definido essencialmente por uma só rua e respectiva envolvência, fazem parte do mesmo conjunto da antiga aldeia de Carnide e foram organizados de forma relacionada. Pode considerar-se uma sábia aplicação do modelo ordenado com base numa ortogonalidade mínima, aplicado a uma situação de pré-existências orgânicas – os caminhos concelhios, rurais e vicinais.

É nas proximidades, ao longo das estradas da Pontinha e da Correia e das azinhagas interiores, que se abrem algumas velhas e aristocratas quintas dos séculos XVII e XVIII, ou o que delas resta.

A Luz pode ser considerada uma unidade com história própria e modo de organização e estrutura espacial distintos de Carnide, embora faça parte do mesmo conjunto patrimonial. Os elementos que contribuem para a imagem e valor patrimonial são também outros, mais dispersos, mas também mais monumentais. Geograficamente, esta unidade configura-se entre o largo da Luz e ao longo da Rua da Fonte e é formada por elementos singulares unificados pelos grandes espaços públicos e pala via de circulação.

Igreja da Luz

Do antigo Santuário, mandado construir pela infanta Dona Maria no século XVI, resta hoje apenas a capela-mor e o transepto. O terramoto de 1755 atingiu profundamente o vasto templo e demais dependências que nunca mais voltaram a ser reconstruídos. O que restava da grandiosa fachada foi totalmente destruído em 1833 e só em 1870 foi construída a actual e consolidada a ilharga sul. Os restauros do interior, iniciados em 1890, permitiram ainda conservar a parte mais importante do templo. As obras de restauro foram orientadas pelo arquitecto Valentim José Correia.

Da primitiva capela, construída pela população em 1463/64, já nada resta. De remodelações posteriores da ermida da luz preservam-se vestígios manuelinos no arco que emoldura a fonte de mergulho e nos azulejos hispano-árabes da escadaria de acesso.
São testemunhos arqueológicos notáveis, encravados hoje no corpo da Igreja Sul, a nível inferior ao actual pavimento e cujo acesso se faz a partir do exterior.

A Igreja projectada por Jerónimo de Ruão em 1575 e terminada em 1596 (ano que se transladou a imagem), a custos da Infanta Dona Maria, era um vasto templo maneirista de influência italiana, com fachada monumental de dois pisos rematada por balaustrada corrida e sem torres. A entrada de três portas quadradas por grossas pilastras era sobrepujada por três janelas rectangulares altas e bem rasgadas. Contígua à ala norte da fachada, desenvolvia-se o grande edifício com três pisos, rasgados por pilastras monumentais desde a base até à cimalha. Destinava-se a abrigar a Casa da Irmandade e os serviços exteriores ligados aos romeiros devotos. O interior, onde cabiam mais de mil pessoas, era amplo e ricamente decorado com elementos clássicos renascentistas e maneiristas. O altar-mor conserva ainda os baixos relevos em jaspe com figurações alegóricas. O grande retábulo maneirista, pintado em 1590 por Francisco Venegas e Diogo Teixeira, é uma obra italianizante de grande erudição e contribuiu para introduzir e divulgar um novo tipo de composição de retábulos maneiristas em Portugal. As diversas pinturas, de temática religiosa, apresentam cenas da vida da Virgem e de Cristo e numa delas figura a donatária. A capela-mor e o túmulo da Infanta Dona Maria, em campa rasa epigrafada, foram classificados monumentos nacionais, respectivamente em 1910 e 1923.

A partir de 1918, a Igreja, reintegrada na sua expressão actual, passou a sede da paróquia de Carnide, em substituição da de S. Lourenço. As ruínas das antigas dependências foram parcialmente demolidas, permitindo a formação de um pequeno adro.

Igreja de S. Lourenço

Antiga sede da grande e dispersa paróquia rural, abre-se sobre o adro murado, no extremo ocidental do núcleo histórico de Carnide, no sítio onde as duas estradas mais parecem aproximar-se.

A primitiva igreja, com cabeceira orientada para nascente, foi construída, em 1342, com cemitério anexo e sofreu obras de renovação, em 1572. O terramoto de 1755 deixou-a muito arruinada e teve novamente de ser reconstruída. Da época inicial, restam apenas alguns vestígios medievais integrados em reedificações posteriores e a própria estrutura espacial.

Do final do século XVII e do princípio do século XVIII (época de decoração do interior), conservam-se painéis de azulejos, alguns deles atribuídos a Policarpo de Oliveira Bernardes. A reconstrução pós-terramoto reintegrou o edifício, introduziu retábulos de talha dourada nos altares e enriqueceu a colecção de azulejos com a colocação de novos painéis alusivos à vida do patrono S. Vicente. As obras só terminaram em 1808 com o arranjo do adro e a colocação do cruzeiro.

À medida que se consolidava a ocupação de Carnide-Luz e se concentravam todas as funções nestes dois núcleos, a localização paroquial mostrava-se pelo menos ajustada a um território que tendia a ser mais urbano do que rural. Por isso, a Luz veio a desempenhar essas funções, abrigando a paróquia no seminário dos padres inglesinhos, entre 1913 e 1919, até esta passar definitivamente para o edifício religioso mais emblemático – a Igreja da Luz.

Convento de Santa Teresa

Situado na Rua do Norte, nos limites da antiga aldeia de Carnide, foi fundado em 1642 pela Infanta Dona Micaela, filha do imperador da Alemanha. Destinava-se a freiras carmelitas descalças. Grande complexo arquitectónico, com claustro, igreja de uma só nave, cozinha, refeitório e dependências rurais, integrava-se numa grande propriedade que se estendia muito para além da alinhada frente urbana.

A fachada é sóbria, mas os interiores apresentam aspectos requintados, como as pinturas da igreja, atribuídas a Inácio Oliveira Bernardes e a José da Costa Carneiro e os painéis de azulejos polícromos e azuis e brancos colocados nos séculos XVII e XVIII na portaria e nas várias dependentes interiores.

Contrastando com a austeridade da fachada, onde som a igreja se evidencia, os interiores têm espaços e decorações barrocas.

Aqui se recolhem muitas donzelas e viúvas pertencentes a famílias da nobreza da época e, depois da extinção das ordens religiosas, em 1834, permaneceu como recolhimento religioso até à morte da última freira em 1881. Actualmente, funciona como lar da terceira idade.

Convento de S. João da Cruz

Fundado em 1681 para padres carmelitas a norte do actual Largo da Luz, nas proximidades do Santuário, era um grande edifício que chegou a abrigar 600 moradores, entre professores e trabalhadores. Nele está hoje instalado o Instituto Adolfo Coelho. Era também conhecido por Convento do Carmo de Carnide e, juntamente com a Igreja da Luz, destacava-se pela imponência e volumetria.

Seminários Franciscanos

Com fachada virada para o Largo da Luz, era inicialmente uma casa romântica da quinta de uma abastada família burguesa da capital.

Adquirida pelos padres franciscanos ao proprietário Jacinto José Oliveira, em 1939, foi adaptada à funcionalidade da vida religiosa sem perder a sua personalidade.

O palacete fora construído em 1878, com uma fachada neoclássica e interiores requintadamente decorados com motivos naturalistas e revivalistas, num exotismo romântico típico da época. No conjunto dos equipamentos distribuídos pela quinta, destacam-se as antigas cocheiras com fachada neogótica. Já nos anos sessenta do nosso século, foi construída a moderna capela, com base no projecto do arquitecto Norberto Correia. O conjunto edificado está protegido por classificação camarária.

Antigo Hospital da Luz

No sítio do antigo hospital mandado construir para o apoio aos peregrinos do santuário no século XVI, ergue-se hoje o Colégio Militar, instalado no início do século XIX.

A construção do hospital também foi custeada pela Infanta Dona Maria que deixou em testamento bens e rendas para a manutenção. Inaugurado em 1618, com uma capela da invocação de Nossa Senhora dos Prazeres, substituiu a antiga gafaria medieval anexa à capela do Espírito Santo. Considerado um dos mais modernos hospitais da região, tinha equipamentos sofisticados para a época e roupas. Ao longo da sua história, foi afectado por diversas crises resultantes da má administração.

Tal como a primitiva ermida, o primeiro hospital pertencia à Ordem de Cristo, por doação régia de D. João III, em 1543. Esta era a primeira estrutura de acolhimento dos peregrinos e chegou a receber doentes da capital atingidos por epidemias e febres.

O actual edifício tem fachada clássica de três pisos com corpo central rematado por frontão triangular e apresenta um nicho com uma escultura em pedra, retratando a virgem com o menino, semelhante à que se encontra no exterior sul da Igreja.

As quintas

As quintas mais importantes distribuíam-se ao longo das Estradas da Luz, Correia e Pontinha e próximo das principais azinhagas – a da Fonte que estabelecia a ligação à Estrada de Benfica, a dos Cerejais e a do Serrado que saíam de Carnide no prolongamento da Rua do Norte e ainda mais próximo dos caminhos que se seguiam para o Lumiar e para Telheiras. Foram já construídas nos séculos XVII e XVIII e algumas já tinham pequenas edificações rurais do século XVI.

Podemos distinguir dois tipos de quintas: as que se localizam próximo do conjunto monumental da Luz e do núcleo tradicional de Carnide e as que se encontram dispersas e afastadas do centro. No primeiro caso, incluem-se, com os respectivos palácios ou simples casas de campo, a dos Condes de Carnide, a das Pimenteiras (actual edifício da Junta de Freguesia), a de Santo António (bem identificada pelo registo de Azulejos colocados no acesso pela azinhaga da Fonte e datado de 1742), a da Luz, a dos Azulejos, que possui ainda um considerável conjunto de decoração azulejar na casa e nos jardins, a da Marquesa de Fora e a das Barradas, datada de 1747. Mais distantes, a norte, ficavam muitas outras de que ainda hoje persistem ruínas e designações toponímicas como a Horta Nova.

No século XIX, a fisionomia arquitectónica das residências das quintas modificou-se, apresentando referências mais urbanas como no caso do palacete do largo da Luz, actualmente pertencente aos franciscanos.
No âmbito da arquitectura civil doméstica existem outros exemplares a destacar, como a casa do Bispo de Lisboa, na Rua do Machado nº 1 que foi reconstruída no século XIX, a partir do núcleo quinhentista por volta de 1555.
Do património contemporâneo, registamos o edifício habitação na Rua Maria Veleda nº 24 (urbanização da Quinta da Luz) projectado pelo arquitecto Fernando Silva e que recebeu o prémio Valmor de 1978.

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