Vivemos numa azáfama. Acordar a tempo de apanhar o autocarro, nem que seja o último da manhã. Interessa é chegar a tempo daquela reunião, de entregar aquele relatório e, nisto, a caixa de emails vai somando uns atrás de outros a que tem de se responder até ao fim do dia. Um contra-relógio que não atrasa, mas que, às vezes, pára.
Há momentos em que a vida, por si, decide romper-se. Ou cristalizar-se. Um susto, uma dor, um diagnostico. Uma jornada que interpela os dias e toma a vida de assalto. Em Portugal, são diagnosticados cerca de seis mil novos casos de cancro da mama todos os anos. A Associação Amigas do Peito desempenha um papel fundamental no acompanhamento destas pessoas, do diagnóstico à cura. Com um novo polo em Carnide, a Associação passa a poder acolher quem vem de longe para fazer os tratamentos. Numa conversa rápida, porque a saúde não espera, Emília Vieira, Presidente da Associação Amigas do Peito, reconheceu a importância que Carnide terá no acompanhamento dos doentes.
Estão há 11 anos a trabalhar, lado a lado com doentes, no Hospital de Santa Maria, no coração de Lisboa. O que vos faz agora vir para Carnide?
O convite de Carnide. Começámos por colaborar com Carnide em algumas caminhadas solidárias porque tínhamos doentes que nos pediam para irmos com elas. Depois fomos às feiras da saúde… E a partir daí, entre conversas, quando dissemos que procurávamos um espaço que servisse como casa de acolhimento surgiu, por parte da Junta de Freguesia de Carnide, a possibilidade de “habitarmos” uma casa no Bairro Padre Cruz.
O polo de Carnide será uma casa de acolhimento…
Sim. Queremos que o espaço que agora está em Carnide sirva tal e qual como já acontece no IPO, em Lisboa, e no Hospital de São João, no Porto. Um centro de acolhimento para pessoas que têm de se deslocar das suas terras para fazer tratamentos como radioterapia ou quimioterapia que, muitas vezes, se prolongam por vários dias na mesma semana. Assim, pessoas com maior fragilidade financeira têm a certeza de uma casa onde ficar durante esses dias.
Além de acolher doentes, fazem planos para levar cuidados aos doentes nesta casa?
Não temos condições para isso, neste momento. Não será um sítio para cuidados paliativos, mas sim para que, pessoas em situação de ambulatório, tenham um local calmo e sereno onde ficar de maneira quase gratuita.
Levar-lhes conforto numa altura em que estão mais débeis…
Exatamente. Um sítio onde possam descansar depois dos tratamentos.
Segundo a Liga Portuguesa contra o Cancro, são detetados, anualmente, cerca de 6.000 novos casos de cancro da mama, em Portugal. Como é que se recebe uma pessoa a quem lhe foi diagnosticado cancro?
Além do choque do diagnóstico, há uma grande indefinição no que diz respeito ao futuro. Receio de que nunca se ultrapasse a doença, de não ver crescer os filhos… Primeiramente, há que lidar com todas essas angustias. Depois é preciso que o doente perceba que, mesmo depois de ultrapassar a fase aguda, a monitorização é para a vida.
O que é que fazem para que alguém nesta situação agarre a esperança?
Num primeiro momento, pomos os doentes em contacto com pessoas que já ultrapassaram a doença — pessoas que já foram operadas, que fazem monitorização há pelo menos um ano. Assim, percebem que essas pessoas têm uma vida normal, que não é a doença que as vai impedir de fazer o que já faziam antes. Procuramos transmitir que esta situação é transitória e que, depois, há toda uma vida para viver.
Essa partilha de vivências faz parte da vossa missão: “Proporcionar um espaço de partilha de experiências, suporte informativo e acompanhamento personalizado às mulheres e homens com Cancro da Mama.” É um momento relativo peso, a troca de conhecimentos…
É um passo fundamental. Quando há um diagnóstico, procuramos ter logo alguém que já passou pela doença e que já ultrapassou a pior fase de tratamentos. Isso mostra que, se aquela pessoa ultrapassou o cancro, só há razões para acreditar que apesar do diagnóstico, também é possível vencer a doença.
Proclamam um lema que esconde complexidade: “Ajudar hoje para que o amanhã seja possível”. Que futuro é este que procuram para quem luta contra o cancro?
Há pessoas que ficam para sempre marcadas pela doença. Vivem em função da doença sem a ultrapassar. O que nós queremos é fazer com que isso não aconteça: ajudá-las a ultrapassar a doença para que, amanhã, continuem a viver a sua vida normal. Uma coisa é viver com a doença, outra é viver dentro dela. Há mulheres que nunca conseguem ultrapassar o medo de viver com o cancro, mesmo depois da fase mais complicada dos tratamentos.
Acabam por passar-lhes liberdade de espírito…
Exatamente. Mostrar que ter a doença não faz com que a vida acabe. Os tratamentos duram, mais ou menos, um ano. Depois a vida continua. “Ajudar hoje” é exatamente estar ao lado dos doentes na fase mais aguda dos tratam.
Imagem: Just News